A evolução do ego

JOSÉ LAÉRCIO DO EGITO - F.R.C.


" Mais vale uma hora de sábio
que a vida inteira de tolo ".
Adágio Popular

mundo imanente

Mundo Imanente
O ser em nível psico-emocional está constantemente sendo alvejado por inúmeros fatores externos no sentido dualístico, conforme a ilustração 3 e estabelecendo defesas-ego".

Existem muitos fatores que ameaçam o ser em seu nível psíquico e que não o lesionam fisicamente, mas que violam a integridade do "eu" defendido pela muralha do "ego". O "ego" funciona como um escudo que procura reter as injúrias psíquicas que possam ameaçar o "eu". Este pode perceber que está sendo alvejado, mas muitas vezes isto se passa de forma que a pessoa não percebe, mas mesmo assim ocorrem conseqüências sobre a sua integridade. Visando proteger o "eu" a mente constrói um sistema de mecanismos defensivos, desde simples modos de agir até outros altamente destrutivos, como estudaremos oportunamente.
O ser humano vive numa perene luta contra códigos, contra paradigmas, estabelecidos pelas religiões, pelo estado, pela família, e por ele próprio. Trata-se de um sistema de conceitos de errado e de certo; de pecado e de virtude, de mal e de bem. Tudo isto são apenas conceitos desde que na unicidade não há lugar tais coisas. Embora sejam convenções ainda assim, estas são a causa básica de todo o sentimento de culpa existente nos seres.

O que as religiões fazem no campo espiritual é idêntico ao que a Psicologia faz em nível de "ego". As religiões estabelecem códigos morais que visam convencer as pessoas a aceitá-los como "princípios divinos", como "desígnios", "desejos" ou "determinações de Deus", depois as induzem a se sentirem culpadas se não os obedecem, se cumprem ou não as determinações. Se a pessoa cumpre, ela não se sente em conflito, não haverá culpas e assim se sente espiritualmente em paz, portanto em um estado de "céu". Do contrário ela se sente em pecado, portanto num estado de "inferno". Assim vivem as pessoas, imersas em conceitos que geram culpa e culpa gera sofrimentos. A inobservância das normas morais gera o remorso, gera uma angústia por desobedecer àquilo que ela incorporou como certo. Mas, isto gera um tipo de angústia que pode ser chamada de "angústia secundária", diferente da "angústia existencial" que pode ser chamada de "angústia primária". Esta representa um estado muito mais profundo que não se baseia na desobediência a paradigmas constituídos, mas sim à ameaça induzida pela competição com os pretensos múltiplos "eus". Superar a angústia secundária é bem mais simples que superar a primária, pois para tanto basta obedecer aos códigos que a culpa cessa e com ela todas as conseqüências, mas o mesmo não acontece em se tratando da angústia existencial. A angústia secundária é estabelecida pelo sentimento de violação dos códigos vivenciais, portanto basta cumpri-los para que ela cesse assim também todas as suas conseqüências. Mas o mesmo não se pode dizer da angústia existencial, pois esta não se baseia em códigos violados, mas sim no arraigado conceito da dualidade. Assim sendo, somente com a libertação do conceito de dualismo existencial é que ela poderá ser aniquilada. Nisto consiste a libertação do ser, mas não basta aceitar teoricamente que a dualidade é uma ilusão, mas sim se sentir uno e isto corresponde aquele estado que as doutrinas orientais chamam de Nirvana.

A principal característica da ilusão da dualidade é o surgimento do "ego". Este, em grande parte, é construído basicamente por códigos aceitos, e isso é o que faz uma pessoa se sentir diferente das demais. O Eu é eterno, é único, está isento de sofrimentos, enquanto que o "ego" é efêmero, algo criado pela própria pessoa desde a sua primeira manifestação no mundo imanente. Grande parte da vida neste mundo imanente consiste numa perene luta de criar condições egóicas, de criar regras de conduta pessoais - códigos - e também de aceitar muitos que lhes são sugeridos ou impostos, ou de afastá-las e modificá-las. Isto constitui um processo muito difícil de se sair dele, o qual é chamado de "Roda da Vida" ou "Sansâra". Podemos dizer que o "ego" é parte essencial do Sansâra. Sem o "ego" não haveria individualidade alguma.

A psicologia clássica age da mesma forma que as religiões, ela faz a pessoa reconhecer os paradigmas ensinando-lhe métodos de convivência sem conflitos com eles. Conduz a pessoa a viver sem conflitos, reforçando a auto-imagem, mas sem visar o semelhante. Ensina o viver bem consigo mesmo estabelecendo métodos para a pessoa só ver a si mesmo, e não ter conflitos por tudo aquilo que possa infringir aos demais. Reforça o "ego" transformando-o em um rochedo; centraliza tudo na própria pessoa, o que representa um tremendo reforço da individualidade. Gera um "ego" tão sólido que a pessoa convive com o mundo sem conflitos, mas não diminui de forma alguma angústia existencial.

Com uma sólida estrutura egóica a pessoa deixa de sofrer porque cristaliza o problema em nível de "ego", assim os conflitos deixam de ser problemas, e como conseqüência a pessoa pode viver em paz, viver bem, mas não plenamente curado porque persiste em toda sua intensidade a angústia existencial, a Psora Latente. Tanto as religiões comuns quanto a psicologia, não levam a um estado de libertação daquilo que a Homeopatia chama de Psora Latente, pois na verdade elas acorrentam o ser uma condição irreal que é o "ego". Se alguém sofre por uma culpa a psicologia reforça o "ego" no sentido dela passar a aceitar aquilo como algo não conflitivo fazendo-a não se sentir culpada, portanto conseguindo viver relativamente bem, mas mesmo assim muito distante da libertação do estado de "angústia existencial".

As religiões, ao menos, induzem a pessoa viver sem conflitos e sem causar culpa nos demais, enquanto a psicologia isto não é levado em conta. Isto acontece porque a psicologia vê o mundo pessoal como "eu" e os "outros". Tenta eliminar o sofrimento do "eu" em detrimento dos "outros". Este é um lema da psicologia, mesmo que os psicólogos neguem-no: Viva bem consigo mesmo procurando resolver o seu próprio problema, não interessando os demais. Cada um é cada um. Viva bem consigo mesmo, e esqueça os outros, isto é o que a psicologia tradicional incentiva. Para ela cada um é cada um, o que vale é viver sem culpa, mas para isto faz uso do reforço do "ego", sem saber que isto é apenas uma ilusão. Isto acontece porque os próprios psicólogos, em sua grande maioria, vivem na ilusão da realidade do "ego, não percebendo que a pessoa é um fragmento de uma Consciência Maior. Sem esse conhecimento faz a pessoa continuar perdida no mundo fragmentário, estreito e limitado da Imanência, em vez de auxiliá-la a compreender que o "ego" individual não vai além de uma auto-imagem artificial.

Não toda a Psicologia, mas algumas linhas acreditam que o viver sem conflito é um estado de liberdade, não se dando conta porém de que este mundo dialético funciona num nível restrito, que a liberdade na imanência é semelhante a um prisioneiro que de adaptou à própria cela, onde por um determinado tempo não percebe que está vivendo num nível restrito, sendo por isto incapaz de assimilar a riqueza total de outras experiências existenciais "interiores" e "exteriores". São incontáveis os mecanismos sociais, morais, familiares, econômicos, institucionais, etc, que têm como objetivo fazer a pessoa viver bem através de uma cristalização do "ego".

O "ego" é algo que a pessoa acredita ser a sua própria natureza pessoal, esquecendo que se trata de um amontoado de conceitos individualizantes. A individualidade é o que há de mais marcante nas pessoas a nível se mundo imanente. É o "ego" que separa, que diferencia, que fragmenta, portanto que afasta o individuo da sua natureza essencial "una" que na verdade está representada pela expressão: "Os altos fins da existência". O mais elevado fim da existência é aniquilação da dualidade, o pleno retorno à origem, o que indica o "passar da posição de egoísta para o de altruísta" conforme se expressava o Mestre Thomas Pablo Paschero, eminente homeopata argentino. Vemos que é exatamente o "ego" quem mantém "samsara" citado pelas religiões védicas.

Para conseguir se sentir mais seguro como individualidade distinta a pessoa lança mão de uma série de mecanismos egóicos, de fórmulas através dos quais ela amplia a autoconfiança, mas cuja conseqüência direta é a ampliação da descontinuidade, o aumento da separação, e tudo isto é relegar a verdadeira natureza do ser "uno" a um plano de inexistência, não se importando com a problemática dos demais. Ao "eu" divisionário o que importa é ele se sentir bem a despeito das demais, a "parte" - pessoa - continuar acreditando ser uma entidade separada da Natureza Única.

Na verdade as religiões tendem configurar um estado altamente egóico, pois que agem protegendo a integridade do "eu" através do "ego" de uma forma bem peculiar. Mas, de um modo diferente daquele instituído pela psicologia. A esta só interessa o "eu" a despeito do "outro" enquanto que as religiões embora também considere o "eu" e o "outro" acrescentam um componente que chamam de altruísmo. Como disse Jesus "Amai ao teu próximo" essa expressão tem uma conotação plenamente dualista, diferindo da segunda parte quando complementa: "como a ti mesmo" cuja conotação é unista. Mesmo considerando o altruísmo, as religiões pregam o dualismo, pregam a separação afastando a pessoa da Realidade Única, tirando-a do caminho da libertação e orientando-a para o alvo da acomodação dualística.

É o estabelecimento do Princípio da Descontinuidade a origem do sofrimento oriundo da insegurança existencial como dualidade. Nesta condição o ser se sente desprotegido, vulnerável por todos dos lados levando-o a tentar inúmeras formas de preservação, modos para proteger a pseudo-idéia do "eu" individual, fortificando cada vez mais as qualidades que caracterizam o "ego" ao preço da ampliação da angústia primaria - angústia existencial - e da angústia secundária oriunda dos apegos.
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