Libertação da mente

PEREGRINI SANTIAGO

"Um ser liberto do Mundo Imanente é um ser liberto do próprio e aparente ego, motivo pelo qual é um espírito liberto da fantasia de separatividade entre as coisas, seres e eventos."
— P.

O Universo, por Ser Mental, não revela, por assim dizer, a sua face oculta, qual denota a própria Realidade, isto é, a Consciência, o Infinito. Logo, a existência enquanto tal não é real em aparência, mas sim em Essência.

A essencialidade da Universo por si só não tem nenhum sentido para o intelecto, porque a Mente não consegue enxergar/perceber a totalidade do Infinito, o qual não não tem início, nem fim, não sendo, portanto, descontínuo, nem quantificável. Ora, então, a Libertação não ocorre ao nível do Infinito em si - a Essência interpenetrante-constituinte do Universo -, mas sim ao nível da existência aparentemente fragmentada. Em outras palavras, a Libertação somente ocorre a partir da ilusão de finitude das coisas creadas, do próprio Universo, então. Podemos afirmar também que a Libertação denota o distanciamento efetivo da ilusão de fragmentação, qualificação, mensuração e localização dos seres. Portanto, denota a fuga do Universo, das suas leis atuantes sobre os seres e objetos. A Libertação envolve grande força-querer do espírito no sentido de ter a efetiva vontade de se liberar do jugo da mente pessoal, pela qual sofre tantos dissabores, embora também tantos prazeres. A Libertação não ocorre subitamente pelo desejo de o espírito querer sair do "mar de ilusões" que é a creação. Ocorre também pela percepção paulatina do tédio do existir, pelo qual os dissabores e as supostas novidades das múltiplas experiências deixam de atrair a atenção, pois, mesmo temporariamente interessantes - pelo prazer de jogar o "game universal" -, geram progressivo cansaço e desgastes.

A Libertação, portanto, é progressivamente impulsionada pelo querer sair da prisão que é o Mundo Imanente, tão complexo em seus aspectos de conflitos interesseiros entre outros níveis. O movimento em direção à Libertação é sustentado pelo tédio da constatação pessoal do círculo vicioso das regras mentais mantidas unicamente pelo espírito, as quais, como vimos, tendem a cansá-lo. Ao mesmo tempo, haja vista que o processo ascendente de Libertação envolve diversas percepções, compreensões e vivências das variadas experiências pelas quais passa o ser, a ela se liga naturalmente a progressiva ampliação da percepção pessoal, logo, o alargamento da lucidez existencial. A Libertação representa o fim do processo cósmico-cíclico do existir mentalmente, logo, do existir como ser auto-ciente; exprime, digamos assim, a etapa imediatamente superior à cientificação efetiva, pois, após ter-se dado e mesmo sentido a sua condição de Unicidade indiferenciada perante tudo quanto há, a mente, cosmo-sabedora de sua condição cientificada, pela qual enxerga, então, as ilusões às quais se submetia; assim, a mente tenderá a se libertar das dor e do prazer, os quais eram sustentados por si mesma.

A Libertação denota a consumação perceptiva e vivencial da mente escapando às ilusões de separatividade que ela mesma gerava pelo próprio ego enganador e divisionário. Podemos afirmar, por conseguinte, que a Libertação exprime a volta ao estado Único; a volta do ser ao estado de Ser. O "retorno" à condição de Unicidade Cósmica, em que tudo quanto há é simultaneamente cosmo-sentido como UMa Única condição, motivo pelo qual a Libertação está além da racionalidade, portanto, além do próprio espírito destacado. Mas a maioria das pessoas ainda está deveras distante da Libertação, porque ainda estão subjugadas-fascinadas pelos [aparentes] próprios egos e os dos outros, basicamente porque sentem prazer em continuar a vivenciar experiências. Mesmo assim, chegará o momento em que o espírito libertar-se-á, para, assim, "voltar" a vivenciar a condição cósmica inefável de Ser UM, na simultaneidade indiferenciada diante de tudo quanto há.

Do que temos exposto, falamos um tanto acerca de um dos níveis da Libertação, por assim dizer. Um ser liberto do Mundo Imanente é um ser liberto do próprio e aparente ego, motivo pelo qual é um espírito liberto da fantasia de separatividade entre as coisas, seres e eventos. Ora, no Universo, que é Mental, o ser ainda não está liberto. Pelo contrário, está preso. Primeiramente, preso a si, ao jugo da própria mente; está preso aos desejos, às sensações, até mesmo às compreensões e às percepções. Grosso modo, preso ao próprio existir como entidade egoica cognoscente. Ora, então, é a prisão que parece indicar, no atual universo creado, o único cosmo-modelo geral do existir (a existência atual, creada, em seus múltiplos aspectos, leis, etc.), que, a partir das vivências que ocorrem, devido às atuações individuais e individualizadoras da mente destacada do espírito, representa as inúmeras expressões de ação do espírito preso ao ego. É pela prisão da sensação de si que o ser se percebe como alguém existindo em locais, ao longo do tempo, em inúmeras vivências intelectuais, psíquicas, energéticas, físicas, etc. Sem a prisão do existir, não haveria nenhum sentido para a própria Libertação, porquanto, se o ser não se sentisse ou não se percebesse como prisioneiro, evidentemente não buscaria se libertar.

A rigor, mesmo que soe incoerente, não existe "Libertação do Mundo Imanente", mas sim Libertação do ego pessoal, a partir do qual o ser elabora as vivências de realidades. Como o Mundo Imanente é ilusório, logo, não tem consistência objetiva, não possui constância de aparência e conteúdo, não pode o espírito dele se libertar. Ora, então, não sendo a Imanência a referência existencial nuclear a partir da qual a Libertação tem sentido filosófico de retorno à Unicidade Cósmica Indiferenciada, podemos falar, então, da impossibilidade de vincularmos a Libertação a Imanência? Não e sim, ao mesmo tempo. Como vimos, a Libertação efetiva, digamos assim, é a Libertação pessoal da mente. Mas, uma vez que o espírito se crê/tem a convicção de existir no espaço-tempo do Universo creado, é claro que, em termos didáticos, podemos, sim, falar de Libertação do Mundo Imanente.

Na realidade, enquanto o ser vivenciar a ilusão de seu ego destacado na Imanência, a ela está preso, pela mente, a qual, como afirmamos, sustenta a própria sensação de realidade(s) vivenciada(s). Ao mesmo tempo, é justamente devido à ilusão da prisão do Mundo Imanente, que a sensação de experiências, incluindo, a de liberdade, existe, mediante a qual o ser amplia lentamente sua percepção, aproximando-se da ausência de descontinuidades sentidas, logo, ausência de liberdades, o que representa a Libertação.