A Justiça Divina

                                                                             JOSÉ LAÉRCIO DO EGITO  F.R.C.


Tema 1
1973 - 3326

'"Muito embora seja afiada, a espada da justiça nunca fere o inocente”. 

Quando se observa a vida na Terra, a primeira certeza à qual chegamos é que existem praticamente somente existem amarguras, desilusões e muitas outras formas de sofrimento. Disto, surgiu uma indagação, que tanto tem inquietado as pessoas durante milênios: por que sofremos? Para responder a essa indagação, procurou-se entender o modo como a Justiça Divina é exercida. Sem dúvida, para isso. fez-se necessário uma abordagem quanto à origem dos espíritos. Em outras palavras, quanto ao modo como foram ou são criados. Existem, basicamente, três possíveis hipóteses que tentam explicar o “de onde viemos.

A primeira hipótese, à qual estão ligados o Catolicismo e as diversas Igrejas Evangélicas, afirma que o espírito é creado[1] sucessivamente na medida em que o corpo é gerado. Em outras palavras, o espírito surgiria com a geração ou com o nascimento do corpo físico. Tratar-se-ia de uma “geração espiritual contínua”. Cada espírito apenas teria uma existência na Terra, pois não haveria reencarnação.

A segunda hipótese também diz que os espíritos são uma creação contínua, mas que após a primeira encarnação segue-se uma série de outras até o desenvolvimento completo. O espírito viria se criando e se aperfeiçoando numa série de reencarnações sucessivas que partindo dos seres biologicamente mais rudimentares chegariam a animais mais evoluídos até atingirem um grau de aperfeiçoamento suficiente para encarnarem num ser humano de onde continuariam a evoluir até atingirem a perfeição. Nesta hipótese se alinham as chamadas Religiões Orientais, que no Ocidente foi assumida por algumas religiões, em especial pelo Espiritismo.       

A terceira hipótese que certifica que os espíritos foram creados todos de uma só vez, puros, mas como se envolveram num processo de desobediência tiveram conseqüentemente que se purificarem novamente. Desde então eles vêm se limpando, se conscientizando e se reintegrando num processo de RECONHECIMENTO de um CREADOR.

O Judaísmo, de onde o Catolicismo e as Religiões Evangélicas buscaram o conhecimento da Creação que aceitam, no princípio aceitavam a terceira hipótese. No transcorrer dos séculos isso foi se modificando chegando às religiões cristãs atuais já com modificações profundas. Assim é que dizem haver duas origens, uma para os ESPÍRITOS DAS PESSOAS e outra para os ANJOS. A creação dos espíritos estaria dentro da primeira hipótese e a dos Anjos dentro da terceira hipótese. Esta ambigüidade na Criação deve-se evidentemente a uma deturpação dos conhecimentos da Cabala, levando à separação das duas naturezas espirituais, quando na realidade apenas existe uma. Na doutrina da Igreja Católica e em outras Igrejas cristãs fala-se num céu onde existiam legiões de Anjos. Num dado momento, uma parte daqueles anjos comandados por lúcifer se rebelou contra Deus e houve uma "luta no céu" entre as legiões fiéis comandadas pelo Anjo Gabriel e as rebeladas comandadas por lúcifer. Os anjos do bem, os Anjos de Gabriel venceram e os demais, os outros que perderam foram projetados para fora do céu e formaram-se assim os demônios cuja missão, a partir de então, foi tentar criar obstáculos, perverter os espíritos humanos. Assim contam alguns livros e entre eles a Bíblia.

A primeira hipótese, segundo a visão Católica e Evangélica, espíritos imortais somente existem espíritos imortais na linhagem humana. Na linhagem animal também está presente o espírito, porém de natureza mortal, existindo apenas enquanto existe o corpo.(Esta é uma das razões pela quais os antigos egípcios se empenhavam em conservar também o corpo de animais como o boi, o gato e outros de utilidade e ou de estimação). DEUS, UM PODER SUPERIOR como exerceria uma justiça extrema e perfeita? - Como esta se manifestaria dentro destas três hipóteses? - É isto que iremos analisar com algum detalhe neste tema. Os adeptos da primeira hipótese se defrontam logo com uma intransponível dificuldade de dentro da lógica, explicarem a BONDADE e a JUSTIÇA DIVINA dentro do contexto apresentado. Evidentemente é muito difícil, para não dizer impossível, convencer alguém de bom senso de que a problemática do sofrimento da via na terra pode ser explicado sem que seja aceito a idéia de reencarnação.

Como haveria justiça num deus creador de espíritos imperfeitos, limitadíssimo e expando-os à sanha de um deus do mal e seus séqüitos, demoníacos? - Para que os espíritos criados provassem a sua fé, o cumprimento de uma fidelidade imensa, de uma capacidade fantástica de sofrerem as mais terríveis injunções impostas pela vida num corpo carnal, para depois da morte física serem ou não eleitos para uma paz e felicidade eterna. Pode-se aceitar um absurdo deste dentro da fé cega, mas jamais dentro de uma lógica sadia. Ninguém conhece os desígnios de Deus, dizem. Mas como se ter força para vencer uma situação tão tremenda de adversidades se nem ao menos existe uma fímbria de luz, de clareza na mente para poder compreender o porquê teria que ser assim, algo de uma forma tão contundente e mesmo cruel! Na realidade mais parece que Deus estaria brincando com os seres humanos, jogando dados em que as peças do jogo seriam cada um de nós, numa luta desigual; em que o mais fraco teria que vencer o mais forte. Se aqueles “Anjos caídos” tiveram a ousadia de desafiar o próprio poder infinito de Deus como seria possível a um simples espírito criado com o corpo, limitado pela matéria, que precisava aprender de tudo desde o seu nascimento, que nem ao menos é capaz de andar e de suprir suas simples necessidades materiais. Seres que precisam de quase metade de sua vida para poder desenvolver certas aptidões, certas capacidades para interagir até mesmo com as coisas mais simples da existência do universo e que por mais que se desenvolva sempre está muitíssimo distante das coisas da Natureza do Universo, dos grandes enigmas da criação, como poderia ser vitorioso com o deus do mal? Terrível luta desigual em que por certo o mal acabaria por vencer. No final daquela luta, daquela disputa entre o poder negativo (Lúcifer) e o Poder Positivo (Deus) por certo em número de espíritos conquistado a vitória do mal seria quase que total. Uma só vida para o espírito nascer e vencer uma tremenda batalha. Poucos anos, um nada diante da eternidade para uma vitória.

Examinem a humanidade e vejam que isto está fora da realidade, uma aberração, um atentado tremendo contra o bom senso de qualquer pessoa. Vejam quantos bons existem na terra para cada mau. O mal sempre se apresentou em numero muitíssimo superior ao bem na terra. Nunca esse quadro se reverter dentro de tudo que sabemos a respeito da natureza humana. Dentro desta hipótese tudo o que uma pessoa sofre é fruto de uma luta que não é ela quem provocou, mas que mesmo assim tem que responder da forma mais cruel que se possa conceber que é a condenação eterna. Todos os sofrimentos e vicissitudes seriam incidentes, seriam frutos de uma luta em que as pessoas são como que pedras apenas as pedras do jogo, mas que tem que responder por puro capricho do vencedor. Exatamente por este e outros absurdos inerentes à primeira hipótese levou ao surgimento da segunda hipótese que procura corrigir algumas discrepâncias embora acabe por cair na mesma situação do não poder explicar a JUSTIÇA DIVINA. Esta apenas desloca a injustiça no tempo, mas de forma alguma esclarece e torna lógico o problema. Apenas tira o merecimento da encarnação atual e o desloca para outras pretéritas, porém sem considerar que seguindo essa cascata de culpas se chega obrigatoriamente a um momento em que alguém pagou inocentemente, foi injustiçado, sofreu sem merecer.

As doutrinas que aceitam essa segunda hipótese têm como viga mestra aquilo que chamam de “LEI DO CARMA". Todas as vicissitudes são unicamente o resultados da lei de causa e efeito. Toda ação corresponde uma reação de mesma intensidade e sentido contrário “. Tudo aquilo que se planta se colhe”. O plantio é livre, mas a colheita é obrigatória “. Dentro deste contexto se uma pessoa nasce cega é porque fez jus a isto. É a” Lei do Merecimento “. Recebe-se tudo segundo o merecimento individual. Neste caso se uma pessoa traz uma dificuldade qualquer isto é fruto daquilo que no passado plantou”. Dentro deste contexto algumas doutrinas afirmam a lei tipo “pena de Talião =“ olho por olho, dente por dente “. Mas na realidade isto não ocorre desta maneira. Tudo se passa com o numa operação bancária. O banco não devolve as mesmas notas que foram depositadas e sim o valor total que pode ser devolvido com outras notas, de igual, maior ou de menor valor, mas sempre totalizando a quantidade depositada”. Nesse sentido, todos os sofrimentos que uma pessoa vivência, que passa, é fruto de coisas que fez no passado, portanto culpa unicamente sua. Se Deus é bom, justo e perfeito não faz quem quer que seja, ou melhor, não permite que um inocente sofra por algum mal que não cometer. É a lei boa de Deus, é a verdadeira Justiça Divina em ação. Os sofrimentos são reparações por coisas cometidas em vidas passadas. Tudo aparentemente fácil de ser entendida, uma aparente justiça. Se alguém é cego é porque de alguma forma fez jus a isto.

Já dissemos que a reparação tipo pena de Talião não existe, mas, para o entendimento claro do que queremos mostrar nesta palestra, podemos usar esse exemplo. Se uma pessoa é cega seria porque cegou alguém nesta, ou em outra existência. Aparentemente tudo certo, aparentemente a Justiça de Deus se fazendo presente. Como dissemos antes, justiça aparentemente perfeita, mas se examinado com certo cuidado seria ainda assim uma injustiça tremenda. As doutrinas que aceitam esta hipótese afirmam que os espíritos vão se desenvolvendo progressivamente, vão evoluindo e se tornando completos e perfeitos. Eis que surge a primeira indagação: por que têm que nascer e progredir lentamente? Por que o espírito tem que ser frágil e vulnerável? Que culpa tem ele de ser susceptível de cair no erro, de errar e depois como conseqüência ter que responder por tudo aquilo que fez?

Deus é Justiça e como tal não deixa que alguém pague inocentemente, dizem essas doutrinas. Isto é certo, mas quando afirmam que tudo aquilo que se vê em termos de sofrimentos decorre de algo que fez com outro ou outros, as dificuldades para o entendimento desse tipo de justiça vai se tornando difícil. Vai se tornando difícil porque num primeiro momento é fácil se dizer que um cego é tal porque ele cegou alguém, ou o equivalente a isto, aquele que foi feito cego o é porque, por sua vez, fez isto com outro e assim sucessivamente. Desta forma apenas vemos que o processo vai se afastando no tempo, sendo levado para traz por encarnações sucessivas. Se alguém sofre porque fez outro sofrer e assim seguidamente. É fácil se entender que desta maneira se chega a um ponto em que o problema começou, aquele momento em que um inocente foi injustiçado e alguém sofreu sem merecer, em que um inocente foi injustiçado. Então perguntamos: Onde está a Justiça perfeita de Deus diante desta situação? Houve alguém que sofreu sem que haja feito outro sofrer, ponto de origem dessa cascata de ações e reações. Assim fácil se perceber que esta hipótese não difere da primeira, apenas desloca no tempo a origem do sofrimento. Em uma a injustiça é agora, ocorre na encarnação atual, enquanto na outra hipótese a injustiça ocorreu num certo momento passado em encarnação anterior ambos as situações nos deparamos com a mesma situação, um momento em que Deus não foi justo ao deixar que um inocente haja sofrido sem merecer. Acabou, portanto a lei do carma, acabou, portanto a lei de "ação e reação", acabou a própria perfeição da Justiça de Deus. Mas felizmente isto não é assim, há algo muito perfeito na Creação que progressivamente nesta série de temas chegaremos a compreender.

Vamos agora analisar aquela terceira hipótese, a que diz que os espíritos foram criados todos de uma só vez e procurar localizar onde começou tudo, onde a lei de causa e efeito se vez presente pela primeira vez. As ESCRITURAS SAGRADAS dizem que Deus criou legiões de Anjos puros embora não digam com que finalidade, ou seja, qual era a intenção do Poder Superior quando da criação de todos os anjos. Podemos nos conformar, pois não é dado ao homem saber os desígnios do Supremo Ser. Mesmo puros aqueles anjos se revelaram contra Deus, lutaram e perderam, acabando como os demônios que há eras e eras vão tentando as pessoas. Esta origem é aquela referida na Cabala, porém de uma forma deturpada, evidentemente.

Suponhamos que os Anjos criados fossem mesmo os espíritos que desde então começaram a encarnar na terra. Neste caso ficaria mais fácil o entendimento do por que começou o sofrimento. Aquela situação de reparações sucessivas que acaba por se defrontar num momento em que algum inocente foi injustiçado deixa assim de existir. Deixa de existir porque a culpa seria de cada espírito a partir do momento em que se rebelaram. Somente assim podemos conceber a integridade da JUSTIÇA DIVINA. Assim o PODER SUPERIOR não é injusto diante dos sofrimentos, pois que se cumpre fielmente a lei de causa e efeito. Sofre-se em decorrência de uma rebeldia contra o PODER SUPERIOR. Assim todas as vicissitudes são decorrências de nossa própria culpa.

Da maneira que sucintamente afirmamos e que é citada por algumas doutrinas fica bem mais fácil o entendimento de que DEUS é justo e bondoso. Nesta série de temas vermos como até mesmo o sofrimento é uma bênção divina.

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[1] Em todas os temas, usaremos o termo crear no sentido de “dar origem” e criar no sentido de “cultivar”.