PEREGRINI SANTIAGO
Tema 286
2014 - 3367
"O tédio e o querer estão intimamente relacionados entre si".
— P.
Devido à atuação cósmica da LEI, de acordo com a qual tudo quanto há, seja percebido ou não, existe em algUM nível, mas ainda abaixo da Realidade Profunda da LEI (ou seja, o INEFÁVEL), TODO o Universo, e mesmo "além dele", está sujeito à cosmo-coesão do Infinito, portanto, da LEI. Na realidade, a LEI, sendo a Inefável Vontade da Auto-Existência indescritível do Infinito, não é passível de nenhuma racionalização, nem de localização. Logo, sendo a LEI a Única expressão cósmica de Si própria, nela existimos.
Embora possamos perceber diversos aspectos do Universo, portanto, aspectos da LEI, não o(a) percebemos em si mesmo(a). A LEI é Infinita, invisível aos olhos do ver e do compreender, mas se apresenta aparentemente como "manifestações finitas". Ou seja, a LEI ilusoriamente desdobrando-se em "leis" atuando no "Universo". Como a LEI é a potencialidade cosmo-mantenedora de tudo quanto há (a rigor, até mesmo do NADA), então, os chamados "seres relativos"/"espíritos creados" estão (estariam) sujeitos às ocultas manipulações do Poder Superior[1], "jogando" Sua "creação", logo, limitando a ação dos seres relativos às leis que Ele estabelece para manter o jogo cósmico do existir, a serviço, portanto, da LEI. A LEI, representação da cosmo-coesão do Poder Superior em unicidade com o Infinito, parece evocar algum nível de "trédio transcendental", ou "cosmo-tédio", o que começaremos a propor neste artigo.
O tédio está diretamente relacionado a sensações de que não estamos mais satisfeitos diante de determinada(s) vivência(s). Grosso modo, podemos afirmar que o tédio exprime a repetição fatigante de uma mesma ação, cuja circunstância nem sempre é a mesma. Logo, o conceito de "repetição fatigante" nos auxilia sobremaneira e compreender o chamado "tédio". A este respeito, afirmamos que, na realidade, o tédio só tem a ver com o tempo linear, ou seja, com a aparente sucessão de ocorrências na existência autociente do ser. Deixamos claro aqui que o tédio se apresenta não como "mera repetição", mas sim como "repetição incomodativa", por conseguinte, como uma das sensações mentais pelas quais o ser se dá conta de que não está naquilo que considera "novas e mais agradáveis vivências". Ora, a "repetição fatigante geradora do tédio" e a percepção de "novidade desejada", de "algo que falta", de "algo mais a buscar", é claro, reforçam indiretamente a presença mental do tédio. Tanto num caso quanto num outro, para o ser, existe a sensação de "passagem linear das ocorrências", isto é, do tempo. Desta forma, o tédio se inscreve ao longo de determinadas "faixas de duração tediosas", as quais duram enquanto o nível de saturação psíquica/resiliência do ser diante da mesmice fatigante da ação perdurar. Portanto, inscreve-se temporalmente.
O tédio, então, é um dos elementos que, de algum modo, representam o tempo linear, mas enquanto duração insuportável, pelo início do querer romper o hábito desagradável ao qual se expõe o ser; tal início advém pelo contraste que a mente estabelece com outra fase de ação, isto é, com outras possibilidade de vivências, as quais, quando perceptivamente consideradas "prazerosas"/"diferentes", tendem a incrementar a força do esforço em quebrar o hábito do tédio, o que, então, exprime gradientes importantes de ímpeto do querer genuíno em fazer o que deseja fazer. Portanto, até aqui, podemos concluir aspectos deveras significativos quanto àquilo que denominamos "tédio": i) Repetição fatigante de uma mesma ação; ii) Inscrição da vivência ao longo do tempo linear; iii) Mínima/razoável percepção diferencial de situações/vivências outras além da que gera e mantém o tédio; iv) Querer vivenciar outras possibilidades vivenciais. Ora, então, a rigor, afirmamos que, teórica e praticamente, o tédio inscreve-se (inscrever-se-ia) tão somente no tempo linear, devido à repetição fatigante expressa nas ocorrências sucessivas, mas, neste caso, sucessivas na duração, não na mudança de ação vivenciada, daí o tédio. Em outras palavras, o tédio existe (existiria) somente a partir da creação do Universo. Contudo, alargando mais a discussão, talvez a problemática seja UM tanto mais ampla.
Parece que, de algum modo, o chamado "tédio" extrapolaria o Mundo Imanente, ou seja, o Universo. A este respeito, temos argumentos pró e contra essa possível extrapolação, vejamos: como dissemos mais acima, o "tédio", envolvendo repetição cansativa para a mente, envolve a passagem do chamado "tempo linear", pois qualquer repetição se inscreve em duração(ções). Teoricamente, não é possível que uma duração extrapole a temporalidade sequencial, porquanto o fato de durar implica da descontinuidade de ocorrências em aparente justaposição no tempo, em que, pelo "efeito dominó", sucedem mentalmente de maneira a impactar o ser, nele incutindo a sensação de que suas vivências se desenvolvem temporalmente. Nesse sentido, um aspecto relevante a notar é a eventual dimensão mental do contraste de fases perceptivas para o ser; na medida em que vivencia determinada situação, mas disso tem pouca ciência, quando não a "compara com outra(s)", tende a permanecer na fase UM; quando, percebendo outras possibilidades de vivência e até mesmo quando as quer vivenciar, então, tende a manifestar a vontade de ir além dos limites da repetição de suas experiências atuais, sobretudo quando elas já são consideradas "repetitivas e cansativas". No momento em que decide sair do tédio, decide, portanto, incrementar a genuinidade da força do seu querer, e, inclusive, eventualmente manifestar a coragem de vivenciar o diferente. Aqui falamos, então, da fase DOIS (contraste/comparação, neste caso, a comparação entre a situação-tédio e a situação-diferente), o que gera imediatamente a fase TRÊS, isto é, o sentido intelectual quanto à outras possibilidades de vivências, inicialmente não tediosas. No que tange ao Mundo Imanente, podemos dizer, com certa comodidade, que o tédio se faz presente amiúde, e até mesmo é uma das consequências das vivências no tempo linear. Em relação ao Poder Superior enquanto Tal, isto É, enquanto INFINITO CÓSMICO, teoricamente, Ele não deve(deveria) estar sujeito ao tédio, haja vista que não Se inscreve ao longo da temporalidade sequencial. Portanto, não está condicionado aos aparentes limites das durações situacionais.
É claro que o Infinito/Poder Superior não comporta a presença real do movimento e da mudança, de maneira a inviabilizar o delinear entre divisas, pois é indiviso e não-localizável, ou seja, inviabiliza qualquer realidade de transição "saindo do tédio". Contudo, pela ilusão da Mente, podemos afirmar que o [suposto] cosmo-tédio do Poder Superior, expressando-Se como Mente Cósmica Creadora, O implusiona para a Autoviência, como "universo creado", diante dos chamados "seres relativos". Ao mesmo tempo, o Poder Superior, Vendo-Se como Creador-Atualizador Cósmico de tudo quanto há manifesto, trata-se de sua suposta redução ontológica ao estado de não-ser, como inexistência real de substancialidades consolidadas e imagens cosmo-mentais. Nesse caso, parece que a abordagem dualista diante do NADA Cosmo-cognoscente tende a levar o intelecto por um rumo de coerência, o qual, não obstante, é incoerente em seu caminho como percurso e seu fim como alvo a atingir. A irredutibilidade efetiva da Realidade à verdade, ou seja, do Absoluto ao relativo, parece impedir-nos filosoficamente qualquer assertiva no sentido de expor contundentemente a realidade da mudança e do limite. Podemos dizer, então, que a Mente Creadora se fez sentir pelo cosmo-tédio de Si Mesma enquanto Consciência realmente imutável, mas ilusoriamente mutável pela impressão de cosmo-limite entre o NADA/imutabilidade e o NADA/mutabilidade ilusória, motivo pelo qual falamos de transição cósmica pelo Querer, para o Ser vivenciar Suas cosmo-creações, de natureza cosmo-mental; isso indicando, então, atualizações cósmicas para sensações de existência da Mente, ou seja, já no nível da flutuabilidade da vontade, da percepção, da sensação, mesmo que isso ocorra como projeções cosmo-holográficas do/no NADA sugerindo o "algo", ou seja, a própria "Mente" como "creação", Autovivência do Poder Superior como Mente Cósmica Creadora.
Na realidade, o Poder Superior, dualisticamente aqui considerado como Transcendente à creação, deve ser concebido unicamente ao nível do NADA imanifesto, por conseguinte, no patamar da inespacialidade-atemporalidade do continuum, por mental oposição à espacialidade-temporalidade do Universo. Desta forma, Ele não se inscreveria em qualquer duração factual. Outrossim, essa não-inscrição temporal do Poder Superior se justifica pelo não-movimento real de Si, porquanto, sendo UM NADA, não existe descontinuidade, de maneira que igualmente não existe limite. Sem fragmentação, não é possível o transcorrer de ocorrências, assim como a delimitação espaço-temporal. Ora, mas parece que houve a creação do Universo, o que sugere que essa discussão evoca variáveis ocultas importantes. Considerando a atemporalidade do Mundo Transcendente, o Poder Superior não sentiria "tédio", pois não sentiria duração(ões), o que indiretamente equivale a dizer que Ele não sentira ocorrências. Mas, partindo da premissa do Universo creado, mesmo que ilusória, ainda assim, parece evocar informação cósmica atualizada, o que, então, faz alusão a algUM nível de transição cosmo-mental NADA-creação, motivo pelo qual parece que teria existido alguma "cosmo-sensação de tédio". Isso ocorrendo (tendo ocorrido), de certa forma, dá (daria) maior gravidade à discussão, pois a ela traz elementos que teoricamente são díspares com a ontologia do Poder Superior, isto é, com a percepção hermético-filosófica que Dele fazemos em função de possibilidades didáticas de explicação.
Na realidade, podemos alargar mais a presente problemática, a partir da suposta presença de UM "cosmo-tédio" no Poder Superior, pela qual tem (teria) creado, o que faremos em próximo artigo.
-------
[1] O Poder Superior, enquanto Tal, isto É, enquanto Infinito Cósmico Imanifesto, não "manifesta", não "crea", porquanto É UM TODO Absoluto, mas aqui, na análise proposta, é concebido didaticamente em sua expressão cósmica de atualização existencial, ou seja, a Mente Creadora.