A queda do espírito

                                                                                JOSÉ LAÉRCIO DO EGITO  F.R.C.

Tema 8
1973- 3329

“A vida é uma longa jornada cujo itinerário é a ideia."
— Victor Hugo.

Já mostramos que a emanação de Deus – Transcendente – se fez sentir em um ponto gerador do mundo imanente, que é denominado de Kether, do qual todas as manifestações constitutivas deste mundo se originaram.

A Tradição Cabalística coloca todas as manifestações da natureza dentro de um esquema gráfico que é conhecido como a “Árvore da Vida”, também chamado de “Árvore Sephirótica”. O esquema gráfico mais usado para representar a “Árvore da Vida”  tem origem relativamente recente, data da Idade Média, mas a sua base é milenar. O próprio Temurah – Candelabro de 7 braços da religião hebraica – é uma das múltiplas formas de representação da “Árvore Sephirótica”. Inegavelmente, no esquema da “Árvore da Vida”, enquadram-se todas as manifestações da natureza, e todos os sistemas viáveis necessariamente têm que se enquadrar nela. Tudo aquilo que não obedeça a um plano que possa ser representado pela “Árvore da Vida” é impossível de funcionar satisfatoriamente.

O diagrama que temos usado em nossas palestras é puramente o cabalístico medieval. Existem outros esquemas equivalentes apresentados por algumas ordens Místicas. Em todas as Ordens Iniciáticas existem equivalentes da “Árvore da Vida”, ou melhor, existe o esquema apresentado por outro desenho, pois o desenho é puramente um artifício utilizado para melhor se sentir as ligações entre os seus elementos constitutivos. Verdadeiramente, o esquema, como o próprio nome diz, é apenas um organograma, pois, na realidade, os“Sephirot” [1] não têm situações nem localizações definidas. Eles existem num mesmo ponto, toda separação é um artifício, tanto ou quanto de finalidade didática, que visa um melhor entendimento.

Em verdade, o que fisicamente se vê de um ser é apenas o seu corpo – “Malkut”. Emoções, sentimentos e intelecto não podem ser visualizados diretamente. Assim, pode-se dizer que é exatamente neste sephirah – Malkut – que todos os demais Sephirot se manifestam. Os Sephirot  são condições diferentes, porém não há um ponto em um ser onde eles inexistam. Os demais sephirot  só podem ser evidenciados através de Malkut, ou seja, sentimentos, emoções e intelecto somente podem ser evidenciados através do corpo. Assim se pode dizer que no corpo todos os Sephirot  manifestam-se, porém não há pontos definidos de localização. Onde se situam, por exemplo, as emoções, o intelecto, a intuição, etc. – Evidentemente ninguém sabe, portanto são mais expressões manifestadas no corpo do que coisas separadas. Simplesmente pode-se dizer que eles existem como manifestação através da estrutura física do ser. Mesmo que disséssemos que os sentimentos, as emoções e o intelecto que integram a “Árvore Sephirótica”  existem em Malkut  como camadas concêntricas, ainda assim seria uma ideia totalmente imprecisa. Disto advém que o gráfico da “Arvore da Vida”  deve ser aceito apenas como um esquema mnemônico, ou um hieróglifo para meditação, e não como uma planta arquitetônica do indivíduo.

No esquema da “Árvore da Vida” vemos o corpo físico – representado por Malkut – em um dos extremos, no mais inferior, que, de uma forma lata, é a parte mais material, a mais grosseira de qualquer coisa que se examine. Enquanto isto, no extremo oposto, se situa o que é mais sublime, mais divino e mais perfeito. Na “Árvore da Vida” Malkut  representa o corpo físico, e Kether  a parte divina de cada ser.

“VÓS SOIS DEUS” – Jesus o disse.
“NÃO SABEIS VÓS QUE SOIS O TEMPLO DE DEUS E QUE O ESPÍRITO DE DEUS HABITA EM VÓS?”
 — 1ª Epístola de Paulo aos Coríntios

ASSIM COMO É EM CIMA É EM BAIXO 
 — Hermes Trismegistus – Tábua das Esmeraldas

Realmente Deus está no homem assim como o homem está em Deus. Estas máximas podem ser entendidas muito bem, assim como o porquê do sentido de divindade que todas as religiões atribuem ao homem. Tudo emana de Deus, tudo no ser emana de sua parte divina; fluindo de cima para baixo, de sua parte divina para sua parte material. Portanto tudo aquilo que é perfeito emana de cima, de Kether  para Malkut. Usando o gráfico da“Árvore da Vida”, podemos dizer que, no ser, a primeira emanação é sempre pura, perfeita e divina, pois em essência ela é Kether.

Numa palestra anterior, dissemos que, na Divindade, há duas naturezas essenciais e opostas. Uma ativa, RA, e outra passiva, MA. Dissemos também que, no infinito “oceano” de MA, onde se fizer sentir o poder ativo, o atributo positivo do Poder Superior, haverá uma primeira manifestação vibratória, e, naquele ponto, surgirá algo. Eis ali o ponto dentro do círculo. A primeira manifestação possível, porque os atributos divinos separados são imanifestos. Isto equivale àquilo que na Cabala é chamado de “Existência Negativa”.

A partir daquele ponto derivam todas as coisas, e, conforme a frequência estabelecida, formam-se todas as coisas do universo. Somente quando a vibração atinge a faixa correspondente à matéria é que as coisas concretas surgem. Tudo parte de um ponto central, de onde se expande, constituindo todas as coisas existentes, quer elas sejam materiais, quer imateriais. Isto a cabala representa por uma figura que é chamada de “Árvore da Vida”.

Aquele ponto inicial é puramente divino, pois ele é constituído pela união dos dois Atributos Divinos RA e MA, e corresponde exatamente a Kether [2], por isso Kether  não é Deus, mas a primeira manifestação universal. Kether  projeta-se, e assim tem início a formação das coisas, sendo o mundo material o nível mais grosseiro.


Ilustração 1

Transportando este conceito para a vida, podemos dizer o seguinte: A Essência Divina do ser se projeta desde Kether  até Malkut. Inicialmente aquela projeção atinge Hokhmah, isto é, constitui Hokhmah. Depois da Essência Divina há a Mente Divina Subjetiva no ser, representada exatamente por Hokhmah, de onde se origina Binah. A seguir surge o plano das emoções, com a formação de Kjesed, a seguir Geburah. Depois a projeção continua descendo, vai se tornando cada vez mais densa, passando por Tiphereth  vai formar Netzach, e daí continua descendo até Hod, de onde desce mais um pouco para Yesod, e, finalmente, em seu mais baixo nível, forma Malkut. Vejamos que essa projeção é uma verdadeira “queda” da Emanação Divina, e sua representação gráfica forma um zigue-zague. Pela sua forma em zigue-zague, esta é chamada em Cabala de o “RELÂMPAGO” (vide fig. 1).


Figura 1

Essa descida do divino para o humano representa a “queda do homem” mencionada na Bíblia. Este é um dos sentidos da “queda”, da Humanização do Divino. Inicialmente, a Mente Universal tornou-se Intelecto Superior  e seguidamente Razão, depois Emoção, para se corporificar em Malkut. Em cada um desses “sephirot”, por onde a emanação divina vem se projetando, as formas de existências vêm sendo moldadas, maculadas, limitadas quanto às potencialidades, pois os Sephirot  agem como filtros. Pensemos, como analogia, num sistema de vidros coloridos em torno da luz pura. Da luz de Kether  parte um raio intensíssimo incolor e imaculado, que vem se projetando e passando sucessivamente pelos diversos vidros coloridos. À medida que, sucessivamente, a luz vem passando pelos vidros, sem que mude a sua natureza, ela vem tomando cores diferentes, ficando menos intensa, e, finalmente, quando atinge o último ponto, Malkut, ela, embora conserve toda a sua essência, ainda que seja o mesmo raio de luz pura, contudo estará totalmente mascarada, envolvida, imperfeita, quanto à sua manifestação. Este é o verdadeiro sentido da queda do ser, aquele que de anjo se tornou demônio, de Divino se tornou humano.

A fim de que o iniciante em cabala venha entender melhor estas primeiras palestras, vamos apresentar mais alguns conceitos básicos. Como veremos depois, o esquema da “Arvore da Vida” pode ser a representação de quaisquer coisas. Nesta palestra estamos estudando a “Árvore da Vida” em função da creação do universo. Quando RA agiu sobre MA, surgiu o primeiro ponto de manifestação, aquele que no esquema está representado por Kether. Somente algumas polarizações sucessivas chegaram ao nível da matéria – Malkut. Conforme descrevemos antes, se trata da “Árvore” básica, poderemos chamar de “a Primeira Árvore”, por ser a mais genérica de todas. Mas se trata de um esquema não apenas aplicável ao universo como um todo, mas que também pode ser associado a qualquer coisa que exista, quer seja ela concreta ou abstrata.

Poderíamos comentar horas a fio sobre as maravilhas que se nos revelam quando pensamos nas relações inerentes a esse esquema magnífico, pois o nosso objetivo é mais aquele de explicar a origem de muitos dos símbolos místicos, e especialmente mostrar que a “queda do espírito” não significa punição ou castigo, mas sim uma contingência da própria evolução, como analisaremos detalhadamente em outras palestras.

Há um princípio clássico de física, proposto pelo Rosacruz Isaac Newton, que não apenas tem aplicação naquela ciência, mas que também pode ser aplicado como um princípio universal em todos os campos:

“A TODA AÇÃO SE OPÕE UMA REAÇÃO DE MESMA INTENSIDADE E DE SENTIDO INVERSO.”

Esse princípio pode perfeitamente ser aplicado à evolução do homem, pois, do mesmo modo como a Consciência Universal se projeta em queda até o nível de Malkut, a recíproca é verdadeira, de Malkut  ela ascende com igual intensidade se projetando até Kether.

Eis o objetivo de todas as Ordens Místicas, de todas as doutrinas espiritualistas, e de todas as religiões:

FAZER COM QUE A NATUREZA MATERIAL DO HOMEM SE TORNE DIVINA.

A reversão da matéria para a consciência pura é a grande luta do ser. Este é o sentido do “polir a pedra bruta”, o sentido de “tornar o homem perfeito”, e que encontra o seu equivalente na Alquimia, quando preceitua que a finalidade básica é a “Grande Obra”, que consiste em transformar o metal vil  em metal nobre.

Também vamos encontrar paralelismo nos ensinamentos da Antiga Ordem Mística Rosacruz, que recomenda a Alquimia Mental, que consiste na transformação das paixões inferiores em virtudes, no sair do nível da matéria para o nível do divino, em suma, na Aniquilação do Ego.

A Consciência Cósmica se projetou para baixo e se humanizou; isto significa uma queda que, em princípio, significa apenas uma diminuição da frequência vibratória.

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[1] Singular – sephirah. Plural – sephirot.

[2] Vários desses termos dizem respeito aos sephirot, que serão estudados em palestras futuras.