Manifestação do lado tenebroso do Absoluto

JOSÉ LAÉRCIO DO EGITO  F.R.C.

Tema 792
1998- 3351

“Desde  toda a  Eternidade,  existiu, existe e sempre existirá em deus um fundo tenebroso : o caos ...”
— Jacob Boehme.

Segundo o que comentamos em palestra anterior, o “Demiurgo”[1] não pode ser considerado o creador direto dos planos inferiores mas sim do imanente como um todo, e dentro deste cabe ao nível Sophia[2] o desdobramento dos planos inferiores.

Nesta palestra começaremos reafirmando que o mundo da imanência é sempre limitado, e só isto basta para indicar não ser ele perfeito em qualquer dos seus aspectos. A perfeição só pode existir no Absoluto, portanto a creação do próprio universo relativo é uma obra imperfeita e conseqüentemente quaisquer de suas manifestações igualmente o é. É aparentemente estranha a afirmativa de que o perfeito para ser assim considerado requer que contenha em si a própria imperfeição. Isto, contudo, é óbvio pois algo não pode ser perfeito desde que exista algo fora de si. O Absoluto só é perfeito porque contem tudo em si até mesmo a própria imperfeição.

No universo imanente, em essência, só são perfeitas as manifestações diretas do Absoluto - Faces do Inefável. Dentro da creação só tem natureza perfeita aquilo que faz parte direta do Transcendente; aquilo que mesmo manifestando-se no imanente não faz parte integrante deste, não tem origem no mundo criado. Assim são as manifestações que não estão sujeitas aos Princípios Herméticos. Essas faces do Absoluto, mesmo sendo perfeitas em essência ainda assim não podem ser consideradas como tais quando em manifestação no mundo imanente, isto porque a perfeição não pode se manifestar através de algo imperfeito e limitado.

Vamos a um exemplo a fim de facilitar o que acabamos de citar. Tomemos como exemplo o amor. O amor é transcendente, não tem como origem a creação, preexiste a ela, e que sabemos não algo sujeito aos Princípios Herméticos. O amor, embora perfeito no Transcendente, quando se manifesta no imanente o faz sempre de forma limitada, razão pela qual se apresenta basicamente em diferentes níveis (sete níveis), e com inúmeras nuanças pessoais. Portanto, até mesmo as manifestações que em essência perfeitas no Absoluto, quando se fazem sentir no mundo imanente, o fazem imperfeitamente como decorrência das limitações daquilo em que elas se manifestam.

O que mencionamos no parágrafo anterior mostra que o mundo imanente é imperfeito, não representa uma creação perfeita, até mesmo porque sendo limitado já indica a não perfeição. Não existe jamais perfeição alguma no que é limitado pois limite já é um dado que afasta algo da perfeição. Não sendo o mundo imanente perfeito, conseqüentemente, todo sofrimento já existe manifesto na própria creação embora ainda não detectável, conscientizavel - nível demiurgo. Apenas é verdade que o sofrimento apresenta-se somente a partir do nível Sophia. O sofrimento, o mal, já se fez presente na própria creação embora ele só se manifeste de forma conscientizavel a partir do nível da “Queda de Sophia”.

Vemos então ser válido o que disse Jacob Boehme há cerca de 500 anos passados: “Desde toda a eternidade, existiu, existe e sempre existirá, em Deus, um fundo tenebroso - o caos, a Noite do Tempo, a Cólera de Deus - de onde brota, como das tenebrosas profundezas da terra, a clara Fonte da Vida e do Espírito”... Com essa afirmativa Jacob Boehme mostra haver percebido que o sofrimento transcende ao mundo da creação, portanto ele está presente até mesmo no plano do próprio Absoluto - a quem ele chama genericamente de Deus - e mais intensamente ainda nos planos subseqüentes. Esta doutrina é muito delicada pois as pessoas admitem que a perfeição já exista na Tríade Superior da Árvore da Vida, mas tal não é verdade. Embora chocante, ainda assim, esse conhecimento, na verdade, torna bem mais fácil o entendimento daquilo que consta na cosmogênese judaico-cristã em que consta ser Lúcifer a força negativa, embora que este nome signifique “Portador da Luz”. Isto conduz a uma indagação aparentemente contraditória: Como pode o portador da Luz ser fonte do mal ? - Na verdade a palavra luz aqui é colocada como indicativo de claridade, de vibração luminosa e não de clareza absoluta.

A própria ciência quando fala da origem do universo diz que imediatamente depois de haver ocorrido o Big-Bang não havia luminosidade alguma, havia apenas trevas, e que somente frações de segundo depois quando se formaram os fótons é que a claridade surgiu. Luminosidade resulta da presença dos fótons e estes só surgiram uma pequena fração de tempo subseqüente ao primeiro instante da creação. Disto podemos dizer que, fora da creação existe luz no sentido de perfeição, de consciência e assim por diante, mas não existe no sentido de claridade. O que as pessoas normalmente acreditam é que Luz é sinônimo de claridade quando este termo na linguagem mística tem um outro sentido.

Claridade é vibração e como tal já está limitada, não é portanto a perfeição. A luz no sentido de claridade é algo que até mesmo pode ser medido através de instrumentos. A física mede-a e tudo aquilo que pode ser medido, contado, ou pesado[3] faz parte da imanência e, conseqüentemente, não representa perfeição. Contar, medir e pesar significam estabelecer algum tipo de limite, e em tudo o que tem limites não pode ser perfeito pois o perfeito tem que ser absoluto e este não tem como ser medido, contado ou pesado. Analisando-se assim pode-se entender que aquele que trouxe a claridade no sentido de vibração na verdade trouxe algo limitado, trouxe a vibração luminosa mas não propriamente a luz no sentido divino.[4]

Se analisarmos bem veremos que todos os Princípios Herméticos são tediosos pois implicam em repetições, especialmente o Principio do Ritmo. O ritmo entre dos demais é o mais tedioso. Voltamos a repetir, tédio é sofrimento, evidentemente o mais terrível de todos se prolongado por longo tempo. A creação nada mais é do que a manifestação dos Princípios Herméticos e, sendo estes fonte de tédio, conseqüentemente podemos dizer que a creação como um todo é sofrimento.

Quando se observa a natureza, por um lado, nota-se nela aspectos belíssimos mas que tudo isso se apresentando repetitivamente torna-se tedioso. O tédio não vem de fora, está embutido na própria coisa, conseqüentemente em todos os sentidos as coisas são essencialmente más. Mesmo que num primeiro momento muitas coisas aprontem-se belas e harmoniosas ainda assim, se forem analisadas em detalhes, ver-se-á nelas fontes de sofrimentos. Por detrás de tudo quanto há no Mundo Imanente só existem sofrimentos, pois isto faz parte da própria natureza da creação.

Pode-se dizer que o mal e o bem são condições relativas, isto é verdade mas apenas dentro de limites, além dos quais há tédio que é sofrimento. Assim não se pode considerar o universo como sendo um todo bom. O belo, o agradável, o bom, e equivalentes, têm tem duração fugaz, enquanto que o desagradável é o que se prolonga indefinidamente. Visto de dentro da creação o fugaz pode ser bom e o eterno ruim. Nas próximas palestras estudaremos o porquê o eterno somente parece ser quando se visto segundo o prisma da imanência, pois isto na realidade não acontece ao nível de Transcendência.

Temos ouvido indagação do por que dos seres viverem competindo entre eles, se auto-destuindo. Muitas vezes não se entende o porquê da vida biológica para existir como tal ter que alimentar-se de outras formas biológicos.  Indagam assim, certos que não têm mente individualizadas, como as aves, por exemplo, brigam, destroem-se mutuamente se a alma delas é a própria energia de Deus. Por que o homem põe determinados animais para brigar, como por exemplo, galos de briga e eles lutam ente si ? - A resposta para isto reside no fato de que existem sete níveis de manifestação do Inefável, como já explicamos em palestras anteriores, e o nível manifesto nos seres do universo criado representa o terceiro em escala ascendente, portanto trata-se de um dos três níveis mais inferiores da seqüência sétupla.

Do que explanamos nesta palestras queremos evidenciar que o mal[5] não tem inicio dentro do universo imanente, mas como ele só manifesta-se dentro da creação isto acaba por fazer parecer que a origem não transcende ao universo criado. Assim é valido o que diziam os cristãos gnósticos, toda creação é má, é obra do Demiurgo e não do Deus de Bondade.

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[1] Segundo o Gnosticismo, o chamado "Demiurgo" é o Deus Creador do Universo, como um Ser limitado pela própria manifestação, motivo pelo qual Nele está potencializado, mesmo como relatividade perceptiva, tanto o "mal" quanto o "bem", os quais se desdobraram nos espíritos por Ele creados. Iindiretamente, o "mal" e os sofrimentos são originados como ideação e mantidos mentalmente pelo Demiurgo.

[2] Na concepção gnóstica, "Sophia" exprime a problemática do desenvolvimento espiritual da Humanidade.

[3] Salomão, quando da construção do Templo, naquela cena já estudada que já estudamos em outras palestras, tomou em suas mãos uma pedra cúbica, Ele mostrou que tudo o que faz parte inerente da creação tem natureza angular. A pedra cúbica pode servir de representação da máxima perfeição geométrica angular, porem algo essencialmente limitado e que por isto apenas pode simbolizar uma perfeição relativa a nível apenas de creação material. Mostrou que a pedra cúbica apresenta 3 arestas significando cada uma delas: contar, pesar e medir.

[4] Não vamos nos estender neste item por ser ele demasiado delicado para ser transmitido como informação, como ensinamento indutivo. Assim apresentamos este assunto de uma maneira vaga, demos apenas alguns pontos para meditação mediante o que o discípulo pode chegar a uma compreensão mais vasta através do método dedutivo.

[5] Como já dissemos muitas vezes, algo relativo.