PEREGRINI SANTIAGO
Tema 311
2014 - 3367
"É a percepção quem gera e mantém a sensação de realidade.”
— P∴d∴T∴
Particularmente durante a Segunda Câmara Hermética[1], teremos a oportunidade mais incisiva de analisar temas relativos aos códigos sociais e aos preceitos pessoais. Veremos que praticamente todas as percepções apresentam uma considerável base conceitual, a qual dita os movimentos interpretativos de cada indivíduo.
Desde cedo, aprendemos a analisar e interpretar os sinais sensoriais segundo aquilo que nos foi ensinado socialmente, comparando-os com valores prefixados no intelecto. Como resultado deste processo educativo, estabelecemos um padrão de analogias, do qual derivam as concepções que fazemos das coisas. Todos os valores oscilam conforme as qualidades dos órgãos sensoriais e conforme o paradigma perceptivo de universo pessoal, cujo resultado final pode ser verdadeiro, mas apenas e exclusivamente em sentido relativo. Nesse sentido, chegamos à conclusão, chocante e violentadora, segunda a qual todas as análises e interpretações sobre o mundo são, ao nível superficial-relativo, verdadeiras, mas, ao nível profundo-absoluto, falsas. Toda a construção do saber humano, embora fundamentada em análises empíricas e em elaborações apreciativas, apresenta sentidos meramente condicionados ao alcance perceptivo da mente e a condicionamentos sócio-conceituais, extremamente voláteis, instáveis e intrínsecos a recortes geohistóricos. Assim, reafirmamos, o Universo é muito mais uma construção mental progressiva de imagens heteróclitas interpretáveis segundo o paradigma existencial internalizado do que uma realidade fixa, isolada e absoluta. Logo, o Universo é uma relação dinâmica entre saberes e os seres. É falso, desprovido de consistência objetiva. Não existe interação interpessoal com o Universo sem que não haja algum nível de perturbação dos elementos existenciais efetivado pelo olhar mental do sujeito cognoscente. Observar é perturbar, como, inclusive, afirma a Mecânica Quântica.
As percepções e interações que possamos ter do Universo são apenas condições mentais. Então, o Universo, por um lado, é uma representação conceitual pessoal, por outro, é uma construção multicivilizacional complexa, mediante o movimento intersubjetivo realizado pelos seres autocientes, localizáveis temporal e historicamente. Em outras palavras, o Universo representa apenas aquilo que conceituamos e aceitamos como determinada “realidade”. O que significa o mundo para qualquer um de nós? Por certo, apenas aquilo que vemos e sentimos a respeito dele. Ou seja, tudo aquilo que intelectualizamos por detecção direta e indireta. Para nós, o mundo é tudo aquilo que percebemos direta ou indiretamente pelos cinco sentidos, por algumas percepções consideradas “extra-sensoriais” e por conclusões subjetivas condicionadas, quase sempre, pela razão compartilhada. As miríades de coisas que não detectamos direta ou indiretamente são, sob a perspectiva perceptivo-cognitiva, “inexistentes”. Como percebemos apenas uma ínfima parte do ambiente que nos cerca, logicamente, é forçoso que admitamos que a concepção que temos do meio em que existimos é incompleta, deformada e constantemente alterada. Nesse sentido, é o olhar individual que confere sentido(s) à existência, em seus mais variados níveis. O que não percebemos, por outro lado, mesmo que, em algum nível, tenha existência, nada significa para a mente que não estiver sintonizada sensorialmente com o nível.
O Universo é constituído pelos elementos intelectualizados, isto é, os que existem em fase DOIS, e as não-intelectualizados, os que existem em fase UM.[2] A nossa concepção do Universo, representada pela fase TRÊS, decorre apenas daquilo que existe como fase DOIS. Porém, mesmo assim, devido às deficiências dos órgãos e dos instrumentos detectores que possuímos, a maior parte do que é manifestável passa despercebida. A fase UM não participa da nossa concepção do universo individual, porque jamais algo nessa fase é detectado, objetiva ou mesmo subjetivamente. Tudo aquilo que existe sem o seu oposto nem sequer pode ser racionalizado, de modo que não pode ser incluído no modelo de Universo que concebemos. Ou seja, a mente, amparada basicamente pela razão, não concebe o nível das manifestações em fase UM. Disso, advém o seguinte: mesmo aquilo de que temos conhecimento não pode ser uma atualidade[3], mas apenas uma ideia elaborada em função do variável alcance mental das percepções, dos sentidos objetivos, para-objetivos e dos conceitos e preceitos pessoais internalizados.
A percepção do Universo é condicionada principalmente pela percepção variável de cada ser. A este respeito, por exemplo, consideremos o daltonismo. Quando acometido por este fenômeno óptico, o indivíduo não consegue distinguir certas cores, sobretudo o vermelho e o verde. Aliás, o objeto “verde” não muda, até certo ponto, ante a observação, por exemplo, de duas pessoas, uma considerada normal e a outra portadora do daltonismo, embora a cor “verde” seja percebida de modos diferentes por cada indivíduo. Portanto, o objeto não é “verde”. Não apenas as cores, mas também todos os demais dados referenciais a respeito de algo são necessariamente resultantes da apreciação de cada um, segundo o alcance de seus órgãos detectores e o padrão conceitual de registro utilizado para o diagnóstico. A variação apreciativa da qual falamos atinge, por conseguinte, inúmeros outros elementos referenciais, abstratos ou concretos, como, por exemplo, a dimensão espaço-temporal e as formas. A este respeito, mesmo aquilo que julgamos existente por si próprio, como o espaço, não possui existência efetiva. Contudo, no caso da percepção espacial, a fator mais importante para a sua aparente percepção é a correlação das disposições espaciais dos objetos no mundo.
Cada elemento referencial, sendo percebido conforme o grau de amplitude imagética, estabelece uma ampla e complexa rede observacional que constrói, mediante a inter-relação em perspectiva entre os objetos, a forte sensação da existência de “espaço”, de “intervalo dimensional”. Ou seja, o espaço é, basicamente, um conceito subjetivo elaborado a partir da relação dos objetos no mundo. Nenhum desses valores é como julgamo-los ser. Nada daquilo que a mente objetiva tem como “exato” corresponde realmente à verdade essencial.[4]
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[1] A Segunda Câmara Hermética equivale ao Segundo Grau da Ordem Sagrada de Thoth. Nesse nível, estuda-se, como temática maior, as aparentes diferenças entre "Mente" e "Consciência".
[2] A FASE 1 indica a primeira manifestação de algo; a fase DOIS é a projeção desse elemento; a FASE TRÊS representa a percepção e a compreensão do evento manifesto. Por exemplo, a luz (FASE 1) projeta-se no seu extremo, a treva (FASE 2), daí a noção de "claridade" e "escuridão" (FASE TRÊS).
[3] Isto é, a realidade essencial de algo, segundo a terminologia da AMORC.
[4] Este artigo é baseado em parte do tema 0.062 ["A razão e a lógica no Universo"], redigido pelo Respeitável José Laércio do Egito.