JOSÉ LAÉRCIO DO EGITO - F.R.C.
Tema 1716
2006 - 3359
"Lembre-se: você é do tamanho dos seus sonhos."
— Roberto Shinyghashi
A não ser que a pessoa domine a Arte do Sonhar[1], não tem como saber se um sonho é a realidade do dia a dia ou não; somente quando ela volta ao estado de vigília é que pode fazer a identificação. Contudo, não tem muito significado se uma vivência se trata de um sonho ou não, pois, na verdade, todos os sonhos são vivências. Dizer que um sonho é ilusão não tem sentido, desde que este mundo que consideram real também é uma ilusão. Portanto, podemos indagar: que diferença faz? Na Verdade o nosso mundo habitual existe apenas como uma posição específica no - Consciência – “É”, a partir de onde a Mente saca as informçoes mediante e “monta” uma imagem perceptiva. O mesmo acontece com referência ao sonho, o que faz a diferença é o grau de fixação de cada um.
Para entender melhor vamos usar uma metáfora. Considere um arquivo de programa de um computador. No ponto de registro não existe texto explicito algum assim como desenhos, planilhas, música etc.. Isso se considere como o “É” do computador. Embora não exista de forma explicita mesmo assim há um ponto no qual os registros estão presentes e donde podem ser acessados através de um toque do “mouse”. Este faz o papel de Mente, e o registro no HD o de Consciência.[2] Para que se possa entender o mecanismo dos sonhos é preciso que antes seja entendido o papel da percepção, pois tanto o que se vivencia no estado de vigília, quanto em um sonho, em base, tratam-se de uma mesma coisa, a diferença, talvez, esteja no fator tempo de percepção. Como a pessoa passa muitas horas em vigília e poucas dormindo, e menos ainda sonhando, então as vivências do estado de vigília são aceitas como realidade enquanto aquelas oriundas deste estado não são levadas em consideração, mas se ocorresse o inverso, então, o sonho seria a realidade e este estado que chamamos de realidade seria um sonho.
O mundo de uma pessoa existe onde se focalizam as suas percepções; quando desperto o mundo é o que ela vê, sente, detecta, e no sonho o plano de percepção é diferente, mas não o processo. Na verdade para o sonhador as imagens oníricas compõem um mundo tão real quanto aquele que chamam de mundo habitual – mundo da pessoa desperta. Não se trata de dois mundos, ou de um mundo real e outro ilusório; ambos são de uma mesma natureza – imagens holográficas. Vamos iniciar com um exemplo que muitas vezes temos usado para ilustrar o papel da mente e dá consciência. Consideramos como analogia a Mente se fosse um disco fonográfico no qual todas as expressões de existência estivessem gravadas nele. Por outro lado, a agulha (ou feixe de laser) como sendo a mente. Assim como a agulha capta uma pequena fração do disco, o mesmo acontece com a mente, ela (agulha) capta da Consciência, ou seja, uma fração mínima de tudo o que ali está registrado. Essa fração se constitui a percepção e o que é “extraído” tudo o que constitui o mundo do ser.
Assim podemos dizer que existem miríades de mundos, talvez em número infinito. Qualquer um pode ser acessado dependendo do ponto em que a mente aborda a Consciência. Tal como a música do disco, a que está sendo num determinado momento sendo tocada corresponde ao ponto em que a agulha está tocando o disco. Mudando-se a posição da agulha outra musica passa a ser tocada. Na verdade ela não existe, mas é gerada a partir de informações contidas no disco. O mesmo acontece com referência à Mente e à Consciência. O ponto em que a mente aborda a Consciência dá origem a percepções que constituem o mundo. Este mundo que consideramos único não é mais que o resultado de uma captação feita pela mente a partir da consciência. Se ele for deslocado, o mínimo que seja, haverá consequentemente mudanças da percepção, e ocorrerá como conseqüência outra realidade passa a existir para a pessoa.
A existência é a Consciência, fora dela Nada existe, portanto qualquer que seja o evento ele tem origem nela. É algo que é captado na consciência pela Mente, podemos dizer que a nossa realidade resulta da percepção obtida pela Mente a partir da Consciência. Deslocar esse ponto de focalização equivale a modificar.[3] Pequenas oscilações da agulha deforma a música, porém se forem grandes pode surgir uma das outras musicas que estejam gravadas. Pequenos deslocamentos ocasionam pequenas modificações não suficientes para ser tocada outra música. O mesmo acontece com a percepção, se o ponto detectado apenas comportar discreta alteração de posicionamento, então o mundo é o mesmo, apenas apresentando certas nuanças diferenciativas. Isso é o que acontece quando a pessoa passa por muitas situações tais como, sustos, medos, ingestão de drogas, hipotermia, febre, etc. Nessas situações ocorre modificação do ponto de sintonia e o resultado são distintas alterações de percepções que geram ilusões, alucinações, distorções da realidade habitual.
O sonho tem tudo a ver com o deslocamento do ponto de focalização da Mente na Consciência. Na Consciência tudo está “registrado”, todas as possibilidades estão presentes independentemente de espaço e de tempo. O momento e o local atual para nós nada mais é do que um ponto focal captado pela mente no campo da Consciência. Por menor que seja um deslocamento desse ponto de percepção por certo a realidade será outra. Quando o deslocamento é mínimo as mudanças são igualmente mínimas, quando grande as mudanças podem ser inconcebíveis. No estado de vigília a área de percepção é muito fixa, só permitindo o fluir natural, aquilo que chamamos de passagem do tempo. Essa relativa fixidez é que permite o sentimento de aqui e agora, ou seja, do mundo tal como percebemos e pelo que nós consideramos real e mesmo único. Durante o sonho a fixidez do ponto atenua-se o que permite a ocorrência de deslocamentos e consequentemente de vivências. Desde que o ponto de sintonia saia de sua posição habitual ocorre a sintonia de outro ponto e a percepção do que ali estiver registrado. Isto é o que acontece no sonho comum, há um deslocamento não muito grande que permite distorções do padrão vivencial da pessoa, mas não ao ponto de representar um mundo totalmente distinto.
Em síntese, podemos dizer que pequenas oscilações do ponto de abordagem da mente geram estados perceptivos distintos, entre eles o estado de sonho. Não se pode dizer que uma agulha que é deslocada no disco o que é reproduzido é aquilo que reproduz seja diferente daquilo que estava tocando antes, o novo trecho musical é tao real quanto aquele. O sonho é um deslocamento do ponto de percepção não muito distante do ponto original, mas ambas as percepções são similares, pelo que não se pode dizer o que é percebido no ponto A seja outra coisa, ou uma ilusão no tocante àquilo que é percebido num ponto B. Por tudo isso se pode afirmar que sonhar é perceber pontos distintos do “É”, ou seja, um afloramento de outros pontos de registro.
Não se pode dizer que aquilo que é produzido pela agulha ao se deslocar pela superfície do disco seja uma emissão de natureza diferente daquela que estava sendo emitida antes, o novo trecho musical é tao real quanto o anterior. O sonho é um deslocamento do ponto de percepção para não muito distante do ponto original, mas ambas as percepções são similares, pelo que não se pode dizer que aquilo que e percebido no ponto A seja outra coisa de uma natureza diferente, ou uma fantasia no tocante àquilo que é percebido num ponto B. Por tudo isso se pode afirmar que sonhar é perceber em outro ponto, a abordagem de outro ponto da Consciência, mas não se trata de uma fantasia diferente dessa que consideramos nossa realidade.
É importante saber que esse mundo, mesmo constituído de miríades de coisas consideradas concretas, não é mais do que uma percepção da mente, e que não há limite para a amplitude do deslocamento, tudo é uma questão de disponibilidade de energia. Um deslocamento pode acorrer para outras realidades, outros mundos e serem percebidos como realidades concretas. Eles existem, não fisicamente, mas potencialmente. Coisa alguma existe fisicamente, essa condição é mais uma daquela peças que a mente impõe. Por isso o Hermetismo diz que este Universo é Mental. Ele é gerado pela percepção mental a partir de uma matriz – Consciência – mas nada implica que inúmeros outros possam vir a existir objetivamente – condição mental. Eles não existem concretizados, mas como infinitas possibilidades quânticas. À primeira vista pode parecer entender isso, mas é fácil se for tomado uma analogia. Existem os programas de redação em computadores, como, por exemplo o Word da Microsoft. Nenhum escrito está explicito nele, mas mesmo assim ele pode dar origem a um numero inconcebível de textos distintos. Quantos textos podem ser gerados por um único programa? – É impossível se ter uma respostas porque tende a infinito o numero de textos que podem ser gerados. Nesse exemplo a Consciência pode ser comparada com um programa gerador de textos para o qual não existem limites.
Há muitas condições que podem gerar sonhos, mas sempre o processo é o mesmo, um deslocamento do ponto de percepção. Assim, um sonho pode ser referente ao passado, ou ao futuro. Uma faixa já tocada é acessada pela agulha, ou outra que ainda não o foi. Nisso reside a natureza dos chamados sonhos premonitórios. Na consciência tudo quanto existe está registrado, tudo pode ser repetido, ou previsto conforme o acesso que for feito. O que temos dito nesta palestra diz respeito a pequenos deslocamentos, mas isso não que dizer que deslocamentos muito pronunciados não possam ocorrer. Nesse caso o sonho pode ser muito mais concreto, muito mais pronunciado e envolver valores incomuns. Ele pode se referir à existências totalmente fora da faixa habitual. (Na analogia feita: A música pode ser outra totalmente diferente da original). O que importa no processo é o deslocamento da percepção. Este mundo, mesmo constituído de miríades de coisas consideradas concretas não é mais do que uma percepção da mente, resultante daquilo que existe como informação no ponto focalizado. Outros mundos muito concretos existem. Não existem fisicamente, mas potencialmente, como algo que lembra um registro no HD de um computador.
Da forma que mente gera este mundo, por ser o universo uma artifício da Mente (O Universo é Mental) ela pode gerar incontável número de outros (na verdade ela não gera e sim apenas percebe). O verdadeiro iniciado sabe como viajar nesses planos, ou seja, como viajar e vivenciar estando de vigília e também em estados chamados sonhos. Quando o processo é efetivado, o mais importante é que a pessoa pode se da conta de que está vivenciando, vivendo outras realidades, o que não acontece num sonho comum, aquele do dia-a-dia. Neste caso ele só tem ciência quando volta ao estado comum de vigília, mas, com certa prática a pessoa pode saber que está sonhando e até mesmo assumir o comando das situações como acontece no estado de vigília (no estado de atenção chamado por Dom Juan de Segunda Atenção).
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[1] A respeito do domínio sobre a "arte do sonhar", neste caso, trata-se de uma referência ao livro homônimo, de autoria de Carlos Castaneda, no qual cita determinados procedimentos psíquicos por meio dos quais a pessoa pode identificar os níveis de realidade em que se encontra, de acordo com os ensinamentos do seu Mestre Iniciador: Don Juan.
[2] O Hermetismo estabelece uma diferença didática entre "Mente" e "Consciência". Em linhas gerais, a "Consciência" exprime o Infinito, o registro cósmico de tudo quanto há, de todas as possibilidades de existência; a "Mente" é uma das expressões da Consciência. A Mente desloca seus pontos de focalização diante da Consciência, de modo a elaborar inúmeras realidades. A Mente representa a aparente redução da Consciência, na medida em que deseja, pensa, sente, pode e age, logo, denota a própria existência das percepções no Universo.
[3] O Nagualismo (Carlos Castaneda) chama o ponto de percepção pelo nome de Ponto de Aglutinação, e corresponde ao que o Hermetismo chama de Ponto de Percepção (Ponto em que a Mente aborda a Consciência).